Admiro a sensibilidade daquela mulher vegetal
linguagem sutil tecida junto à fina flor
sabedoria ancestral de infusões, banhos e chás
observação meticulosa do
amadurecimento, apodrecimento
broto, pétala, rouquidão
Me intrigo com a possibilidade da mulher beber uma árvore
seiva amarga, sangue grosso, verde, puro e enorme
me absurda imaginá-la conversando com as coníferas
aprendendo a só ouvir silêncio por anos
ao passo que, há séculos, elas esperam junto a ele
por algum pequeno fenômeno retorcido
Invejo a delicadeza de todo esse cuidado folhoso
angulação luminosa necessária
quantidade justa de água e expectativa
constância do olhar destilado pouco a gotas
A sua paciência é estarrecedora!
E eu tenho medo da beleza!
Confesso pertencer a uma natureza outra
mais próxima da imagem de um tronco raiz arrancado com a mão
que traz à luz não só ramo, mas nacos de terra,
minhoca, sais, morte e alimento
O mato é para mim uma espécie de profeta,
que me acolhe, me dá pânico, me rasga a pele
me espeta a alma dizendo-me que é preciso estar viva
sustentar-me e permanecer erguida, resignada
O barulho do esmagar da folhagem é uma prece
o cenário me transforma em bicho
solicita de mim rebeldia, violência e gozo
Devoro os frutos como quem se redime
por não compreender a linguagem orgânica das folhas
arranco as cascas com os dentes afiados e a língua surpresa:
a cor de dentro nunca é a mesma da que protege o ser
A minha voracidade é enlouquecedora!
E eu continuo tendo medo de flor!
Foto: Mariana Machado